Esqueça toda aquela ladainha de que “crente” não sabe fazer coisa de qualidade. Delete todas as tentativas frustradas que você já viu quando o assunto são grandes eventos gospel. Sim, você estava errado, sim há uma luz no fim do túnel. E essa esperança se consolida na noite em que o cantor Thalles Roberto grava na cidade de São Paulo “ID3”, seu novo CD e DVD e muda os conceitos que cercam essas e outras lendas que pairam sobre o circuito de artes e entretenimento do cenário cristão evangélico.
Numa noite tipicamente paulistana de muito frio, Thalles conseguiu esquentar uma plateia de mais de 4 mil pessoas que lotaram os disputados espaços da atual sede da igreja Bola de Neve. E fez isso com muita, mas muita primazia. Antes que alguém possa insinuar que esse artigo é um jabá é bom reforçar que sim, o texto contém uma opinião, algo raro de acontecer na melindrosa mídia gospel, tão acostumada a somente publicar os releases e textos tão quadradinhos. Não há méritos nisso, só é raro que façam isso, tão raro que é uma pena ter que avisar…
A gravação marcada para as 20h teve sim um chato atraso de uma 1h10, um dos poucos pontos não inovadores, que fez relembrar as coisas casuais dos shows gospel. Mas, problemas técnicos ou outros pormenores à parte, pode-se dizer que o evento foi sem dúvida um marco na história da música gospel brazuca.
Muito à vontade, explodindo em energia e cheio de “pressão”, Thalles deu início ao show levando ao palco esposa e seus dois filhos para consagrar a família a Deus, destacando a importância dessa união e fazendo uma comparação do amor que Deus sente por nós, seus filhos.
A cada canção executada palavras de exaltação e gratidão a Deus eram proferidas com lágrimas e ênfase. Thalles e seu jeito marcante de se expressar não deixava a plateia parada, detalhe, com o povo cantando canções inéditas, o que deixou até o próprio cantor abismado. Pois é, mais uma prova do efeito “Thalles Roberto” e do seu legado recente, mas marcante.
A gravação não seguiu uma sequência de começo, meio e fim e, claro, muitas canções precisaram ser gravadas mais de uma vez, mas nada, nem isso, nem o cansaço de horas em pé faziam o público perder o entusiasmo. E teve de tudo, todas as coisas de primeiro mundo que integram um grande show sem nada perder pra secular ou gringo nenhum: telão de LED e projeção moderna, passarela iluminada no meio do público no formato de 3 (número usado pelo cantor para representar Pai, Filho e Espírito Santo), balé e teatro com intervenções elogiosas e uma banda que deixaria muitas estrelas da MPB e do Pop Rock com inveja.
Sem economizar, a Motown-Universal Music Christian Group, nova gravadora de Thalles, pegou pesado no que diz respeito a fazer da ocasião um evento sem precedentes em todos os níveis, deixando pra trás as lembranças desagradáveis da falta de credibilidade do circuito. O curioso é que não é por falta de nomes ou talentos que não tínhamos esse tipo de trabalho, mas outros fatores que já se instalaram com status conformistas no cenário.
A gravação teve também participações luxuosas. A entrada do cantor Naldo Benny foi um dos pontos altos, mais pela comoção causada em torno de sua reconciliação junto à igreja do que pela canção em si. Com autoridade e demonstrações de carinho, Thalles abraçou, orou, profetizou e fez a plateia receber o cantor com palavras de “boas-vindas” ao meio ao qual um dia pertenceu. A emoção rolou solta e Naldo ficou visivelmente tocado e surpreso com o respeito e amor ali apresentados.
Teve ainda Duca Tambasco (baixista do Oficina G3), Paulinho (baterista do Jota Quest), Coral Soul Livre (fazendo vocal de apoio), a arte do grupo Jeová Nissi (balé e teatro) e dois cantores que Thalles apresentou ao público como duas fortes promessas: Edvaldo e Delino Marçal. Cada qual deixando uma marca em alguma das 23 canções gravadas visceralmente.
Thalles pôde ver no feedback de seu público o resultado de algo que mostra buscar com afinco: não ser apenas mais um, mais uma voz, mais um cantor. Ele resolveu ir além, quebrou os paradigmas, fez o Brasil de cabo a rabo conhecê-lo e buscou a dita excelência tão comentada e nada vista na música gospel. Ele já não é mais só um cantor gospel, virou ícone, referência e o sucesso virou um caminho sem volta. Deus o escolheu e ele seguiu a ordem, fez a diferença.
Os ingressos vendidos para a gravação tiveram renda revertida para a instituição Missão Cristã Mundial, uma associação missionária que atua com ações de combate ao tráfico humano, assistência a crianças em situação de risco e perfuração de poços de água para comunidades. Evento nobre ajudando a uma causa nobre.
A direção artística ficou por conta de Daniel Silveira, conhecido por trabalhar com figuras já consagradas da música brasileira e produção musical do próprio Thalles. Eduardo Levy e Marcelo Paiva assinam a produção de vídeo. O CD e DVD têm previsão de lançamento para agosto. Difícil agora é descobrir, depois desse marco, qual seria a nova investida artística de Thalles Roberto? Todos querem ser surpreendidos trabalho após trabalho e Thalles prossegue sem decepcionar nesse quesito.
(Viviane Eduardo: jornalista, produtora cultural e sócia-diretora da Agência Petra)